Introdução
Ao longo da história do protestantismo no Brasil, um tema tem gerado debates acalorados e divisões profundas: a relação entre a igreja e a maçonaria. Embora muitos tentem conciliar a caminhada cristã com os ritos das lojas maçônicas, um olhar atento às Escrituras e à própria história das denominações revela um abismo intransponível. O que começou como uma aliança estratégica no século XIX tornou-se um fardo espiritual que muitas igrejas ainda lutam para remover de seu meio. Este artigo explora as raízes históricas dessa união, a evolução das decisões eclesiásticas e, acima de tudo, a gritante contradição entre os pilares da Reforma Protestante e o esoterismo maçônico.
Uma Herança Traída: A Contradição com os Pilares da Reforma
Existe uma contradição dolorosa na história da Igreja Presbiteriana no Brasil. Como uma das herdeiras da Reforma Protestante, essa denominação nasceu da resistência contra as heresias e tradições humanas do catolicismo que obscureciam o Evangelho. No entanto, por mais de um século, essa mesma linhagem reformada demonstrou uma "flacidez espiritual" ao permitir que heresias maçônicas coexistissem em seu seio. Ao aceitar membros e oficiais vinculados à ordem, a prática eclesiástica caminhou na contramão das cinco Solas, que são o fundamento da fé protestante:
- Sola Scriptura (Somente a Escritura): Enquanto a Reforma ensina que a Bíblia é a única autoridade final, na maçonaria ela é tratada como um mero símbolo ou peça de mobiliário, podendo ser substituída por qualquer outro livro sagrado.
- Sola Fide e Sola Gratia (Somente a Fé e a Graça): A maçonaria prega que o homem é aperfeiçoado por seus próprios esforços e ensinos filosóficos para entrar na "Loja Celestial", uma clara doutrina de salvação pelas obras que anula o sacrifício de Cristo e a gratuidade da graça.
- Solus Christus (Somente Cristo): Nas lojas, Jesus não é reconhecido como o único mediador; as orações não são feitas em seu nome para não "ofender" seguidores de outras divindades.
- Soli Deo Gloria (Somente a Deus a Glória): Ao cultuar o "Grande Arquiteto do Universo" — um conceito vago que pode representar qualquer divindade como Alá ou Shiva — a glória que pertence exclusivamente ao Deus Triuno é diluída em um panteão universalista.
As Raízes de uma Aliança por Conveniência
A entrada da maçonaria nas igrejas evangélicas brasileiras ocorreu por um contexto político turbulento no século XIX. Com a unificação da Itália, o Papa rompeu com a maçonaria, proibindo católicos de participarem da ordem. No Brasil, a elite maçônica buscou refúgio nas igrejas protestantes para ganhar força contra a hegemonia católica. Muitos missionários americanos, já influenciados pela maçonaria em seu país, facilitaram essa entrada, chegando a pregar dentro de lojas maçônicas em São Paulo. Esse "cadastro do diabo" infiltrou-se por falta de opção dos maçons e por uma busca de proteção política por parte dos protestantes.
O Longo Caminho das Resoluções e a Cisão de 1903
A Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) levou décadas para enfrentar o problema. Em 1900, o Sínodo decidiu que o crente era livre para ser maçom, o que gerou uma cisão histórica em 1903. Um grupo descontente com essa omissão fundou a Igreja Presbiteriana Independente (IPI), que já nasceu proibindo a maçonaria. Somente em 1994, uma comissão paritária foi formada para estudar a incompatibilidade doutrinária. O Reverendo Hernandes Dias Lopes teve um papel fundamental nessa comissão, lutando pela pureza da igreja mesmo diante de tradições familiares, já que seu próprio pai teria sido mestre maçom. Finalmente, em 2006, a IPB aprovou uma resolução declarando a incompatibilidade oficial entre a fé cristã e a maçonaria, mas ainda permite os que já são membros, diáconos, presbíteros, pastores maçons, a exercerem seus ofícios e continuarem membros da igreja, inclusive participando normalmente da Santa Ceia do Senhor.
A Firmeza Histórica da Assembleia de Deus
Diferente das igrejas históricas que atravessaram séculos de ambiguidades, a Assembleia de Deus sempre manteve uma posição de rejeição absoluta e firme contra a maçonaria. Desde suas raízes pentecostais, a denominação identificou que a natureza secreta e os ritos de iniciação — onde o candidato afirma vir "das trevas para a luz" — são uma afronta a quem já foi iluminado pelo Espírito Santo. Nas Assembleias de Deus, a separação entre o altar e a loja maçônica sempre foi clara, tratando o envolvimento com sociedades secretas como uma prática incompatível com a transparência e a exclusividade do senhorio de Cristo.
Se algum membro das Assembleias de Deus no Brasil pertencer à maçonaria, pertencerá de forma oculta, visto que a Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) estabelece claramente sua posição sobre a maçonaria na Declaração de Fé das Assembleias de Deus, publicada oficialmente em 2017. No capítulo sobre “A Igreja e a Sociedade”, há uma seção específica que trata da incompatibilidade entre a fé cristã e a maçonaria.
A Declaração afirma:
“A Assembleia de Deus não aprova o envolvimento de seus membros com sociedades secretas, como a maçonaria, por serem incompatíveis com os princípios bíblicos e doutrinários da fé cristã.”
Conclusão
A história revela que a tolerância à maçonaria foi uma mancha na herança reformada brasileira, uma tentativa de servir a dois senhores que durou tempo demais. O rompimento radical, embora tardio em muitas frentes, é necessário porque a luz não pode ter comunhão com as trevas. Como uma bússola que só funciona se estiver livre de interferências metálicas, a fé cristã só pode guiar o crente se estiver livre do sincretismo e do esoterismo das lojas. A igreja deve, finalmente, honrar as Solas de seus antepassados, proclamando que somente a Escritura, somente a Graça e somente Cristo são suficientes para a vida e para a eternidade.









