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terça-feira, 7 de novembro de 2017

DOUTRINA DA SALVAÇÃO: Sinergismo não é semipelagianismo

07.11.2017
Do blog MINISTÉRIO APOLOGÉTICO, 24.04.17
Por Marc Cortez*
salvado do pecado
Frequentemente ouço pessoas insinuarem que dizer que os seres humanos “cooperam” com a graça de Deus em um processo de salvação (sinergismo) é essencialmente a mesma coisa que a heresia do semipelagianismo; isto é, a ideia de que o esforço humano tem ao menos uma parte de responsabilidade ao iniciar o processo da salvação. Implícito por trás desta afirmação parece estar a ideia de que qualquer coisa que não seja monergismo está na fronteira da heresia. Não é bem uma heresia escancarada (pelagianismo), mas bem próximo (semipelagianismo).
Existem tanto razões históricas quanto teológicas para rejeitar esta afirmação. Historicamente, deveríamos pelo menos reconhecer que o semipelagianismo foi um movimento que surgiu depois da época de Pelágio, estava principalmente associado com certos grupos monásticos no 5º e 6º séculos e foi condenado como herético no Segundo Concílio de Orange (529 d.C.). Portanto, historicamente, chamar alguém de semi-pelagiano seria chama-lo de herético – não apenas quase herético.
Teologicamente não é verdade que os sinergistas são necessariamente semipelagianos. E aqui se torna muito importante definirmos os nossos termos.
Pelagiano: qualquer sistema em que o ser humano seja capaz de alcançar a salvação inteiramente por si mesmo sem a assistência divina, além da graça comum (isto é, a graça necessária para que qualquer ser exista). Além do fato que o pelagianismo negou o pecado original.
Semipelagianismo: qualquer sistema em que o processo de salvação seja iniciado pelo ser humano sem assistência da graça, a não ser da graça comum, mas no qual o processo de salvação é sinergicamente completado pela interação cooperativa divina e humana.
Sinergismo: qualquer sistema que afirme algum tipo de cooperação interativa divina e humana no processo da salvação.
Baseado nestas definições, podemos chegar às seguintes conclusões:
  • Pelagianos não são sinergista: De acordo com sua visão, a salvação é obtida apenas pelo ser humano.
  • Semipelagianos são sinergistas: Para eles, o processo da salvação requer a interação cooperativa tanto divina quanto humana.
  • Sinergistas não são pelagianos e não são necessariamente semipelagianos: é totalmente possível declarar a interação cooperativa divina e humana e ao mesmo tempo afirmar que o processo de salvação inicia-se inteiramente pela graça salvífica de Deus (não a graça comum). Por exemplo, a ideia de graça “preveniente” afirma que nenhum ser humano é capaz de iniciar a salvação, mas que a graça de Deus “precede” e capacita os seres humanos a responderem corretamente. Independentemente da sua opinião sobre esta visão, ela afirma tanto que a graça de Deus inicia a salvação (“precede”) como também que a pessoa humana deve cooperar ao responder. Portanto, é sinergístico, porém não é pelagiano e nem semi-pelagiano.
Usando estas (breves) definições, podemos dizer que muitas soteriologias proeminentes são sinergísticas, mas não semipelagianas (por exemplo: Wesleyanos). Quando teólogos fazem generalizações dizendo que todos os sinergistas são semipelagianos, questionam a ortodoxia de grandes segmentos do cristianismo, incluindo quase todos os Pais da Igreja. (clique aqui e leia)
Entenda este artigo como um apelo a todos os monergistas. Por favor, pare de afirmar que o sinergismo é simplesmente semipelagianismo. Esta afirmação não é histórica nem teologicamente correta.
http://marccortez.com/2010/11/20/synergism-is-not-semi-pelagianism/#comments
*Marc Cortez: Prof de teologia de Wheaton College, marido, pai e blogueiro que ama teologia, história da igreja, cultura pop, livros e a vida em geral.
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Fonte:http://www.cacp.org.br/sinergismo-nao-e-semipelagianismo/

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Já Vimos Isto Antes: Rob Bell e o Ressurgimento da Teologia Liberal

20.09.2017
Do portal MINISTÉRIO FIEL,
Por Albert Mohler Jr.

O romancista Saul Bellow ressaltou, certa vez, que ser um profeta é uma obra excelente se você pode consegui-la. O único problema, ele sugeriu, é que, mais cedo ou mais tarde, um profeta tem de falar sobre Deus. E, nesse ponto, o profeta tem de falar com clareza. Em outras palavras, o profeta terá de falar com especificidade a respeito de quem é Deus, e, nesse ponto, as opções se restringem.

Durante os últimos vinte anos, um movimento identificado como cristianismo emergente tem feito o seu melhor para evitar o discurso com especificidade. Figuras importantes no movimento ofereceram críticas mordazes dos principais segmentos do evangelismo. Mais enfaticamente, eles têm acusado, de diversas maneiras, o cristianismo evangélico de ser excessivamente preocupado com doutrina, fora de sintonia com a cultura, muito proposicional, ofensivo além do necessário, esteticamente mal nutrido e monótono.

Muitas de suas críticas eram relevantes – em especial, aquelas alicerçadas em preocupações culturais – mas outras denunciaram o que pode ser descrito como um relacionamento estranho com a teologia cristã ortodoxa. Desde o começo do movimento, muitos líderes da igreja emergente exigiam uma grande transformação na teologia evangélica.

No entanto, mesmo quando muitos desses líderes insistiam em que permaneciam dentro do círculo evangélico, ficou claro que muitos estavam se movendo para uma postura pós-evangélica. Houve os primeiros indícios de que o rumo do movimento seguia em direção ao liberalismo teológico e ao revisionismo radical. Mas a forma predominante do argumento deles era a sugestão, e não a asseveração.

Em vez de fazerem asseverações teológicas e doutrinárias claras, figuras da igreja emergente levantam, geralmente, questões e oferecem comentários sugestivos. Influenciados pelas teorias da narrativa pós-modernas, muito no movimento da igreja emergente se apóiam em histórias, e não no argumento formal. A direção geral parecia bastante clara. Os principais líderes da igreja emergente pareciam estar impulsionando o Liberalismo Protestante – apenas um século depois.

O liberalismo protestante surgiu no século XIX quando teólogos influentes defendiam uma reforma doutrinária. O desafio deles para a igreja era simples e franco: os desafios intelectuais da era moderna tornavam impossível a crença nas doutrinas cristãs tradicionais. Friedrich Schleiermacher escreveu seus fervorosos discursos para os "desprezadores cultos" da religião, argumentando que algo de valor espiritual permanecia no cristianismo mesmo quando suas doutrinas não eram mais críveis. Historiadores eclesiásticos, como Adolf von Harnack, argumentavam que certo núcleo de verdade e poder espiritual permanecia mesmo quando as afirmações doutrinárias do cristianismo eram negadas. Nos Estados Unidos, pregadores como Harry Emerson Fosdick pregavam que o cristianismo tinha de harmonizar-se com a era moderna e abandonar suas afirmações sobrenaturais.

Os liberais não planejavam destruir o cristianismo. Pelo contrário, estavam certos de que estavam resgatando o cristianismo de si mesmo. O esforço de resgate dos liberais exigia a capitulação das doutrinas que a era moderna achou mais difíceis de aceitar, e a doutrina sobre o inferno era a principal em sua lista de doutrina que tinham de ser renunciadas.

Como observou o historiador Gary Dorrien, do Union Theological Seminary – a fortaleza do liberalismo protestante – foi a doutrina do inferno que marcou os primeiros grandes afastamentos da ortodoxia teológica nos Estados Unidos. Os primeiros liberais não podiam aceitar e não aceitariam a doutrina do inferno que incluía punição eterna consciente e o derramamento da ira de Deus sobre o pecado.

Portanto, eles a rejeitaram. Argumentaram que a doutrina sobre o inferno, embora revelada com clareza na Bíblia, difamava o caráter de Deus. Ofereceram evasivas intencionais dos ensinos da Bíblia, revisões da doutrina e rejeição do que a igreja havia afirmado em toda a sua longa história. Por volta do final do século XX, a teologia liberal havia esvaziado amplamente as principais igrejas e denominações protestantes. Quando se inicia o novo século, o liberalismo teológico é não somente uma rejeição do cristianismo bíblico – mas também uma tentativa fracassada de resgatar a igreja de suas doutrinas. Por fim, uma sociedade secular não sente qualquer necessidade de freqüentar ou apoiar igrejas secularizadas que possuem uma teologia secularizada. A negação da doutrina sobre o inferno não trouxe relevância para as igrejas liberais. Apenas enganou milhões de pessoas quanto ao seu destino eterno.

Isso nos traz à controvérsia sobre o livro Love Wins, de Rob Bell. Como a sua capa anuncia, o livro fala sobre "o céu, o inferno e o destino de cada pessoa que já viveu". Ler esse livro é uma experiência entristecedora. Já lemos esse livro antes. Não as palavras exatas, nem apresentado de modo tão habilidoso, mas o mesmo livro, o mesmo argumento, a mesma tentativa de livrar o cristianismo da Bíblia.

Rob Bell, como comunicador, é um gênio. Ele é o mestre da pergunta pungente, da história distorcida e da anedota pessoal. Como Harry Emerson Fosdick, o paladino do liberalismo no púlpito, Rob Bell é um exímio comunicador. Se ele tivesse planejado defender o ensino bíblico sobre o inferno, ele o teria feito maravilhosamente. Teria prestado um grande serviço à igreja. Mas isso não foi o que ele intencionou fazer.

Como Fosdick, Rob Bell se preocupa profundamente com as pessoas. Isso se evidencia em seu escritos. Não há razão para duvidarmos que Rob Bell escreveu este livro motivado por sua preocupação pessoal com as pessoas que se irritam com a doutrina sobre o inferno. Se essa preocupação tivesse sido direcionada a uma apresentação de como a doutrina bíblica sobre o inferno se encaixa no contexto mais amplo do amor e da justiça de Deus e do evangelho de Jesus Cristo, isso teria sido um benefício para milhares de cristãos e outras pessoas que procuram entender a fé cristã. Mas não é isso que Bell faz em seu novo livro.

Em vez disso, Rob Bell usa seu incrível poder literário e comunicativo para dividir a mensagem da Bíblia e lançar dúvidas sobre os seus ensinos.

Ele afirma claramente o seu interesse: "Um impressionante número de pessoas têm sido ensinadas de que um grupo seleto de cristãos viverão para sempre em lugar de paz, regozijo e alegria chamado céu, enquanto o resto da humanidade viverá para sempre em tormento e punição no inferno, sem qualquer chance de algo melhor. Diz-se claramente a muitos que essa crença é uma doutrina central da fé cristã e que rejeitá-la significa, em essência, rejeitar a Jesus. Isso é errado, prejudicial e, em última análise, subverte a contagiante propagação da mensagem de amor, paz, perdão e alegria de Jesus, a mensagem que o nosso mundo precisa ouvir urgentemente".

Essa é uma afirmação tremenda; é bastante clara. Rob Bell crê que a doutrina da punição eterna de pecadores que não se arrependem está impedindo que as pessoas venham a Jesus. Esse é um pensamento inquietante, mas, sob melhor análise, destrói a si mesmo. Em primeiro lugar, Jesus falou com muita clareza sobre o inferno, usando uma linguagem que só pode ser descrita como explícita. Jesus advertiu sobre "aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo" (Mt 10.28).

Em Love Wins, Rob Bell faz o seu melhor para argumentar que a igreja tem permitido que a história do amor de Jesus seja pervertida por outras histórias. A história de um inferno eterno não é, ele crê, uma boa história. Ele sugere que uma história melhor envolveria a possibilidade de o pecador vir à fé em Cristo depois da morte, ou de o inferno ser uma cessação de existência, ou de o inferno ser, por fim, esvaziado de seus habitantes. O problema, é claro, é que a Bíblia não nos dá qualquer indício da possibilidade de um pecador ser salvo depois da morte. Em vez disso, a Bíblia diz: "Aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo" (Hb 9.27).

Ele também advoga uma forma de salvação universal. Novamente, as afirmações de Rob Bell são mais sugestivas do que declarativas, mas ele tenciona claramente que seus leitores sejam persuadidos de que é possível – até provável – que aqueles que resistem, rejeitam ou nunca ouvem de Cristo possam, apesar disso, ser salvos por meio de Cristo. Isso significa que nenhuma fé consciente em Cristo é necessária para a salvação. Bell sabe que tem de lidar com textos como Romanos 10.14: "E como ouvirão, se não há quem pregue?" Ele diz que concorda sinceramente com esse argumento do apóstolo Paulo, mas, em seguida, descarta todo o argumento e sugere que esse não pode ser o plano de Deus. Evita totalmente a conclusão de Paulo de que a fé vem pelo ouvir e o ouvir "pela palavra de Cristo" (Rm 10.17). Bell rejeita a idéia de que uma pessoa tem de chegar a um conhecimento pessoal de Cristo nesta vida, para que seja salva. "E se o missionário não alcançar os perdidos?", ele pergunta.

Essa é a maneira como Rob Bell lida com a Bíblia. Ele argumenta que as portas que nunca se fecharão na Nova Jerusalém (Ap 21.25) significam que a oportunidade de salvação jamais se fecha, mas ele evita considerar o capítulo anterior, que inclui a afirmação clara da justiça de Deus: "E, se alguém não foi achado inscrito no Livro da Vida, esse foi lançado para dentro do lago de fogo" (Ap 20.15). As portas eternamente abertas da Nova Jerusalém aparecem depois desse julgamento.

Assim como muitos outros, Bell quer separar a mensagem de Jesus das outras vozes do Novo Testamento, em especial a voz do apóstolo Paulo. Nisto, temos de enfrentar a inescapável questão da autoridade bíblica. Ou afirmaremos que cada palavra da Bíblia é verdadeira, digna de confiança e plena de autoridade, ou criaremos nossa própria Bíblia, de acordo com nossas preferências. Em palavras francas, se Paulo e Jesus não falam a mesma coisa, não temos qualquer idéia do que é realmente verdadeiro.

Bell prefere o inclusivismo, a crença de que Cristo está salvando a humanidade por outros meios além do evangelho, incluindo outras religiões. Mas ele confunde as coisas, parecendo advogar o universalismo em algumas páginas, mas esquivando-se de uma afirmação plena. Ele rejeita a crença de que a fé consciente em Cristo é necessária para a salvação, mas não se firma com clareza numa descrição específica do que ele crê.

Bell tenta reduzir toda a Bíblia e a inteireza do evangelho a história e crê que é seu direito e dever determinar que história é melhor do que outra – que versão do cristianismo será convincente e atraente para os incrédulos. Afinal de contas, ele estabeleceu isso como seu alvo – substituir a história recebida por algo que vê como melhor.

O primeiro problema nessa atitude é óbvio. Não temos nenhum direito de determinar que "história" do evangelho preferimos ou achamos mais convincente. Temos de lidar com o evangelho que recebemos de Cristo e dos apóstolos, a fé que uma vez por todas foi entregue à igreja. Sugerir que outra história é melhor e mais atraente do que essa história é audácia de proporções fenomenais. A igreja está presa à história revelada na Bíblia – em toda a Bíblia... cada palavra dela.

Há um segundo problema, um problema que podemos achar que já tínhamos aprendido. O liberalismo não convence. Bell quer argumentar que o amor de Deus é tão poderoso, que "Deus consegue o que Deus quer". Ora, Deus quer a salvação de todos, Bell argumenta, logo, todos serão salvos – alguns depois da morte, até muito tempo depois da morte. Mas ele não pode sustentar essa idéia por causa da sua absoluta afirmação da autonomia humana: Deus mesmo não pode impedir e não impedirá de ir para o inferno alguém que está decidido a ir para lá. Portanto, se entendemos Bell em seus próprios termos, nem ele crê que "Deus consegue o que Deus quer".

Semelhantemente, o argumento de Bell está centralizado na afirmação do caráter amoroso de Deus, mas ele separa o amor da justiça e da santidade. Isso é característico do liberalismo tradicional. O amor é divorciado da santidade e se torna mera sentimentalidade. Bell quer resgatar a Deus de qualquer ensino de que sua ira é derramada sobre o pecado e pecadores e, com certeza, em qualquer sentido de punição eternamente consciente. Mas Bell também quer Deus vindique as vítimas de assassinato, estupro, abuso infantil e males semelhantes. Ele parece não reconhecer que tem destruído sua própria história, deixando Deus incapaz ou indisposto de realizar sua própria justiça.

Na verdade, qualquer esforço humano para oferecer ao mundo uma história superior à abrangente história da Bíblia fracassa em todos os lados. É uma abdicação da autoridade bíblica, uma negação da verdade bíblica e um evangelho falso. Engana pecadores e não salva. Também fracassa em seu alvo central – convencer pecadores a pensarem melhor em Deus. O verdadeiro evangelho é o evangelho que salva – o evangelho que tem de ser ouvido e crido, para que pecadores sejam salvos.

Mas é exatamente neste ponto que o livro de Rob Bell se desvia. Ele descreve o evangelho nestes termos:

Começa na verdade certa e segura de que somos amados. A verdade de que, apesar do que saiu horrivelmente errado em nosso coração e se espalhou por todos os cantos do mundo; apesar de nossos pecados, erros, rebelião e coração insensível; apesar do que foi feito para nós e do que temos feito, Deus fez as pazes conosco.

Ausente do evangelho de Rob Bell, está qualquer referência clara a Cristo, qualquer entendimento adequado do pecado, qualquer afirmação da santidade de Deus e de sua garantia de punir o pecado, qualquer referência ao sangue derramado de Cristo, de sua morte na cruz, de sua expiação vicária e de sua ressurreição e, tão impressionantemente, qualquer referência à fé como a reposta de pecadores às boas-novas do evangelho. Aqui não há verdadeiro evangelho. Isso é apenas uma reedição da mensagem impotente do liberalismo teológico.

N. Richard Niebuhr condensou brilhantemente a teologia liberal nesta sentença: "Um Deus sem ira trouxe homens sem pecado a um reino sem julgamento por meio das ministrações de um Cristo sem uma cruz".

Sim, já lemos este livro antes. Com Love Wins, Rob Bell se move firmemente no mundo do liberalismo protestante. Sua mensagem é um liberalismo que chega tarde no cenário. Tragicamente, sua mensagem confundirá muitos crentes, bem como inúmeros incrédulos.
Não ousamos evadir-nos de tudo que a Bíblia diz sobre o inferno. Jamais devemos confundir o evangelho, nem oferecer sugestões de que talvez haja algum meio de salvação além da fé consciente em Jesus Cristo. Jamais devemos crer que podemos fazer um trabalho de relações públicas a respeito do evangelho ou do caráter de Deus. Jamais devemos ser imprecisos e subversivamente sugestivos sobre ao que a Bíblia ensina.

Nas páginas iniciais de Love Wins, Rob Bell garante aos seus leitores que "nada neste livro não foi ensinado, sugerido ou celebrado por muitos antes de mim". Isso é bastante verdadeiro. Mas a tragédia é que essas coisas foram ensinadas, sugeridas e celebradas por aqueles cuja companhia nenhum amigo do evangelho deveria querer. Neste novo livro, Rob Bell toma sua posição com aqueles que tem procurado resgatar o cristianismo de si mesmo. Sob qualquer medida, isso é uma grande tragédia.

O problema começa no próprio título do livro. A mensagem do evangelho não é apenas que o amor vence (Love Wins) – é que Jesus salva.

Traduzido por: Wellington Ferreira
Do original em inglês: We Have Seen All This Before: Rob Bell and the (Re)Emergence of Liberal Theology. Publicado originalmente no site:www.albertmohler.com
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Fonte:http://ministeriofiel.com.br/artigos/detalhes/34/Ja_Vimos_Isto_Antes_Rob_Bell_e_o_Ressurgimento_da_Teologia_Liberal

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Respostas às objeções levantadas pelo irmão Franklin Ferreira a meu artigo em Obreiro Aprovado (Parte V)

10.07.2017
Do portal CPAD NEWS,16.07.2015
Por Pr. Silas Daniel

Pr. Silas DanielHoje, após o retorno de minhas férias, finalmente chegamos à reta final da minha série de observações às objeções do irmão Franklin Ferreira ao meu artigo Em Defesa do Arminianismo, publicado na revista Obreiro Aprovado número 68 (jan-mar/2015). O artigo final ficou muito extenso – mais do que qualquer outro da série já publicado aqui –, por isso o dividirei em três partes. Na terceira parte, falarei sobre o Sínodo de Dort, como prometido; e nesta primeira parte, quero, introdutoriamente,reafirmar e enfatizar três pontos sobre o meu último artigo desta série (relembre-o AQUI) devido a algumas réplicas que recebi por email de leitores nas minhas férias, os quais são aparentemente simpatizantes do calvinismo.
 
[P.S.: Somente hoje, 17 de julho de 2015, um dia após publicar este artigo, soube do texto do Rev. Daniel Branco, da Congregação Luterana da Reforma no Brasil, fazendo algumas objeções ao meu quarto texto (leia-o AQUI). Como estava de férias, passei as últimas semanas "mergulhado", por isso só soube agora do texto do Rev. Branco pelos leitores, quando comecei a liberar hoje de manhã os comentários que haviam sido enviados há semanas aqui para a minha coluna. Agradeço ao Rev. Daniel Branco pela sua contribuição ao debate. Quanto às objeções, creio que o que escrevi aqui, neste texto publicado ontem, mesmo sem ter lido antes o texto do irmão, vem de encontro às suas objeções. E que bom saber que aquilo que começou como um texto direcionado para o público assembleiano está repercutindo com muito interesse entre teólogos e pastores batistas, presbiterianos, luteranos etc. Vejo isso de forma muito positiva. Parece que, afinal, os irmãos reformados, luteranos e batistas estão passando a ler com interesse os artigos teológicos de autores assembleianos].
 
Em primeiro lugar, eu não afirmei que Lutero tornou-se sinergista. Não há uma linha no meu último artigo afirmando tal coisa, e nem no meu artigo de Obreiro Aprovado. O que eu asseverei no último artigo, com todas as letras possíveis, é que Lutero, no final de sua vida, foi claramente condescendente com o sinergismo de Melanchthon, não apenas não o condenando, mas chegando até mesmo a repreender a todos quantos o atacavam pelo seu sinergismo, de maneira que Melanchthon não pode ser considerado um “traidor” de Lutero. Isso é um fato.
 
Se Lutero foi firme contra Melanchthon quando o assunto era a divergência entre eles sobre a presença de Cristo na Ceia, no que diz respeito ao sinergismo de Melanchthon, ele, ao contrário, foi claramente condescendente, tolerante.
 
John M. Drickhamer, Th. D. pelo Seminário Concórdia em Saint Louis e pastor da Igreja Luterana Emanuel em Georgetown, Ontario, Canadá, em um texto em que assevera e lamenta o sinergismo de Melanchthon, é um dentre tantos que reconhece o que afirmei, inclusive lamentando que Lutero não tenha repreendido Melanchthon em seu sinergismo (grifos e colchetes são meus): “A terceira geração dos Loci Communes de Melanchthon pode ser datada de 1544, embora não houvesse muitas mudanças nela como na produção de sua segunda geração [a edição de 1535]. Lutero teve a oportunidade de examinar as primeiras edições dela [da produção de 1544] e não falou nada contra” (DRICKHAMER, J. M., “Did Melanchthon Become a Synergist?”, in revista “The Springfielder”, publicação do Seminário Teológico Concórdia, abril de 1976, volume 40, número 2, p. 99).
 
Lembrando que, na edição dos Loci Communes de 1544, assim como na edição de 1535, Melanchthon afirmava as chamadas “três causas que concorrem para a Salvação”: a Palavra de Deus, o Espírito Santo e o assentimento da vontade humana.
 
O professor luterano Ricardo Willy Rieth também enfatiza essa condescendência do monergista Lutero com o sinergismo de Melanchthon (os grifos e colchetes são meus): “Na controvérsia entre Lutero e Erasmo sobre o livre-arbítrio [1525], Melanchthon buscou um caminho intermediário, expresso na [sua obra] ‘Carta aos Colossenses’ de 1527. A edição alemã desse comentário, de 1529, foi prefaciada por Lutero, que encheu de elogios a interpretação de Melanchthon. A partir do artigo XVIII da Confissão de Augsburgo, a compreensão de Melanchthon sobre o livre-arbítrio alcançou ‘status’ confessional. Os elogios de Lutero aos Loci [Communes]’ persistiram, mesmo após a nova edição de 1535, onde Melanchthon trazia a mesma compreensão sobre o livre-arbítrio. Lutero elogiava tanto a forma quanto o conteúdo da exposição (‘rest et verba’). [...] Quando aquele [Melanchthon] era denunciado por supostas diferenças de ensino em relação a Lutero, este sempre saía em sua defesa. O mesmo ocorreu em 1527, quando da controvérsia antinomianista (João Agrícola) e em 1536/1537, quando Conrado Cordatus, Nicolau Amsdorff e Jacó Schenck acusaram Melanchthon de defender um tipo de sinergismo” (RIETH, Ricardo Willy, O pensamento teológico de Filipe Melanchthon (1497-1560), artigo da revista Estudos Teológicos, volume 37, número 3, 1997, São Leopoldo, Escola Superior de Teologia da IECLB, p. 225).
 
Em segundo lugar, eu também não disse que a suavização do entendimento original de Lutero sobre o livre-arbítrio no final de sua vida, assumida em sua nota publicada postumamente para a edição de 1546 de sua obra De servo arbitrio, significava sinergismo. Também não há uma linha em meu último artigo afirmando tal coisa. O que disse – e repito aqui enfaticamente, posto ser um fato historicamente importantíssimo, mas lamentavelmente omitido, especialmente por teólogos calvinistas – é que Lutero, na referida nota de 1546, ao negar a compulsão divina, claramente se afastou daquela sua posição original mais radical quanto ao tema – posição esta, infelizmente, esposada por Calvino. Naquela nota, Lutero alinhava-se clara e definitivamente à posição mais branda de Agostinho sobre o livre-arbítrio (Acerca das diferenças entre Agostinho e Calvino sobre essa questão, veja – ou reveja – AQUI meu segundo artigo desta série).
 
Como disse em meu último artigo e repito aqui, Lutero terminou “vendo o livre-arbítrio mais como Agostinho o via do que como Calvino o via”. Aliás, ressaltei, inclusive, que tal mudança tinha seu gérmen já no texto original de De servo arbitrio, pois já havia no texto original um pequeno trecho em que Lutero suavizava o que ele afirmava de forma extremada em todo o restante do seu livro em relação ao livre-arbítrio.
 
Enfim, se eu acreditasse que Lutero teria se tornado um sinergista, eu o teria afirmado com todas as letras: “Tornou-se um sinergista”. Inclusive, o teria colocado, obviamente, no meu artigo de Obreiro Aprovado, mas o que disse tanto ali como aqui foi que Lutero havia negado, ao final da vida, três dos cinco pontos do que seria chamado posteriormente de “Tulip” calvinista; e no meu último artigo aqui, apenas acrescentei que Lutero também terminou alinhando sua visão do livre-arbítrio à de Agostinho, visão esta que – friso – é mais branda do que a de Calvino. Somente quanto a Melanchthon é que escrevi: “Era praticamente sinergista”. Aliás, em meu artigo de Obreiro Aprovado, eu já dissera também que Melanchthon se tornara, “na prática, um ‘arminiano’ antes de Armínio”.
 
Em suma, no que diz respeito à relação entre Melanchthon e Lutero, o meu ponto, que não pode ser negado, é que Lutero, no final da sua vida, além de ter mudado (assim como Melanchthon) a sua posição em relação àqueles pontos de que falei relativos à mecânica da Salvação, foi ainda tolerante com seu amigo e sucessor quando este começou a ir ainda mais além do que ele nesse assunto. Lutero, mesmo tendo permanecido monergista até o fim, não desaprovou a mudança de Melanchthon. Ele não o repreendeu por isso. Por alguma razão, ele, mais do que fazer “vista grossa”, chegou até mesmo a defendê-lo dos ataques a seu sinergismo. E, por favor, não venham me sugerir que Lutero era “burro” ou sofria de alguma espécie de “dislexia” para não entender o que Melanchthon escreveu claramente no Loci Communes de 1535, repetido em 1544 e – frise-se – lido mais de uma vez, com todo interesse, por Lutero.
 
Portanto, Melanchthon não pode ser chamado de “traidor” de Lutero. Ao contrário, vemos, inclusive, que ele foi fiel ao espírito das mudanças que o Lutero velho começou a empreender em relação ao entendimento bíblico da mecânica da Salvação. A única diferença é que ele deu um passo a mais que Lutero nessas mudanças; e até mesmo quando o deu, sempre insistiu e asseverou que suas mudanças estavam dentro do espírito do pensamento de Lutero ao final da vida. Citei, no meu último artigo – vocês devem se lembrar –, uma passagem da pena de Melanchthon, reproduzida pelo historiador Kaspar Brandt, em que ele assevera isso. Nessa defesa, escrita originalmente em latim, Melanchton declara que Lutero aceitara, sem proferir qualquer condenação, seus ensinos das “três causas concorrentes” e da predestinação; e que estes seus ensinos, sustenta ele, não estavam fora do espírito da teologia do Lutero velho.
 
Em terceiro lugar, volto também a frisar o que escrevi no meu último artigo: não é verdade que a visão sinergista de Melanchthon sofreu uma grande derrota após a sua morte. Os filipistas foram derrotados mesmo, completamente, apenas na controvérsia sobre a presença real de Cristo na Ceia, na qual a posição deles era a mesma dos luteranos criptocalvinistas. Já na Controvérsia Sinergista, foi outra história: quem venceu, ao final, foi a posição centrista, capitaneada, principalmente, por Jakob Andreae (1528-1590), David Chytraeus (1530-1560) e Nikolaus Selnecker (1530-1592), todos liderados por Martin Chemnitz (1522-1586) e todos os quatro discípulos e protegidos de Melanchthon. O radicalismo dos monergistas Nikolaus von Amsdorff (1483-1565) e Matthias Flacius (1520-1575), líderes dos autointitulados “gnesioluteranos”, assim como o radicalismo do sinergista Victorinus Strigel (1524-1569), foram reprovados. Aliás, quando Flacius se levantou contra o sinergismo radical de Strigel, ele foi apoiado tanto pelos “gnesioluteranos” quanto pelos filipistas de Wittenberg; e Flacius e os amsdorfianos, por sua vez, tiveram, ao final, seu monergismo radical também rechaçado.
 
Após a “Declaração e Relatório Final Conjunto dos Teólogos das Universidades de Leipzig e Wittenberg” em 1571, onde foi decidido que “a apreciação e a recepção da Palavra de Deus e o início voluntário da obediência no coração surgem daquilo que Deus graciosamente começou a trabalhar em nós”, veio o ponto final dado à controvérsia com o trabalho dos centristas liderados por Martin Chemnitz, que basearia sua visão teológica tanto nos escritos de Lutero quanto nos de seu fiel mentor e protetor Melanchthon – e até mais nos deste do que nos daquele. O resultado final dessa controvérsia, sabemos, foi a Fórmula de Concórdia, que “rejeita os extremos de Strigel e Flacius, e ensina que o homem é puramente passivo em sua conversão, mas coopera com Deus após a conversão” (Enciclopédia Cristã do site das Igrejas Luteranas do Sínodo de Missouri, que defende a eleição incondicional – veja AQUI).
 
O célebre historiador cristão Philip Schaff reconhece que não houve nenhuma derrota completa sobre o sinergismo de Melanchthon na Fórmula de Concórdia. Diz ele (grifos e colchetes são meus): “O sistema luterano é um compromisso entre o agostinianismo e o semipelagianismo. O próprio Lutero estava totalmente de acordo com Agostinho na depravação total e na predestinação, e declarou a doutrina da escravidão da vontade humana paradoxalmente de forma ainda mais forte do que Agostinho e Calvino [Schaff se prende, claro, ao Lutero da primeira fase e ao seu texto original de “De servo arbítrio”; o Lutero posterior, repito, que ele olvida ou lhe passa despercebido, é mais próximo de Agostinho do que de Calvino]. Mas a Igreja Luterana seguiu Lutero apenas até metade do caminho. A Fórmula de Concórdia (1577) adotou a sua doutrina da depravação total nos termos mais fortes possíveis, mas negou a doutrina da reprovação; ela apresenta o homem natural como espiritualmente morto, como uma ‘pedra’ ou um ‘bloco’, e ensina uma eleição particular e incondicional, mas também ensina um chamado universal” (SCHAFF, Philip, History of the Christian Church, volume 7, 1955, Eerdmans, p. 105).
 
Os teólogos luteranos Gassmann, Larson e Oldenburg ressaltam que “na Fórmula de Concórdia, as posições extremadas dos gnesioluteranos foram rejeitadas” e que apenas “em alguns pontos individuais seu protesto contra os filipistas e criptocalvinistas [questão da presença de Cristo na Ceia] tiveram um efeito duradouro” (GASSMANN, Günther; LARSON, Duane H.; OLDENBURG, Mark W.; Historical Dictionary of Lutheranism, 2011, Scarecrow Press, p. 167).
 
O teólogo alemão Erwin Fahlbusch (1926-2007), que foi professor de Teologia Sistemática da Faculdade de Teologia Protestante da Universidade de Frankfurt (e que declara que “os gnesioluteranos N. Amsdorf e M. Flacius ensinavam a pura doutrina de Lutero [relativa à Salvação] tanto em sua forma como no seu conteúdo”), frisa (grifos e colchetes são meus): “A Fórmula de Concórdia repudia o sinergismo dos filipistas [quanto à conversão]. [Mas] Ela também não aceita a formulação de Flacius de que o pecado original é a natureza – ou a essência da natureza – do ser humano [ensino que foi combatido pelos filipistas]. Por outro lado, é através do e no trabalho da graça que a pessoa pode ser capaz do consentimento da vontade [o que, no fundo, no fundo, não era muito diferente do que Melanchthon ensinava, como veremos daqui a pouco]. A Fórmula de Concórdia, entretanto, segue largamente a posição de Melanchthon sobre predestinação, o que significa que o problema do sinergismo manteve-se basicamente não resolvido [no Luteranismo]” (FAHBUSCH, Erwin, The Encyclopedia of Christianity, volume 5, 2008, Eerdmans e Brill, p. 272).
 
Sobre o mesmo assunto, inclusive esclarecendo de forma resumida e precisa o posicionamento de Melanchthon sobre o trabalho da graça e o consentimento da vontade, escreve o teólogo luterano norte-americano James William Richard, D. D., professor de Homilética do Seminário Teológico Luterano da Pensilvânia, no final do século 19 (grifos e colchetes são meus):
 
“Este ensinamento de Melanchthon, que tem sido chamado de sinergia, tem sido objeto de muito litígio na igreja luterana. Algumas das suas declarações, consideradas isoladamente do tratamento completo das quais fazem parte, podem estar abertas a objeções, mas consideradas nas suas relações adequadas, seus ensinamentos são aceitos como estando de acordo com a colocação simples das Escrituras e com a experiência cristã comum. De acordo com Melanchthon, Deus chama, o Espírito opera através da Palavra e a vontade é ativada sob a influência da graça e da verdade divina. Em seguida, ela aceita ou rejeita a oferta da salvação. Ela não tem nenhuma atividade de automovimentação para as coisas espirituais. Por si só, ela não realiza nenhuma retidão espiritual; ela não contribui em nada para a justificação; ela não pode produzir fé. A fé ocorre quando o homem ouve a Palavra de Deus e quando Deus move-o e inclina-o a acreditar. Sem a Palavra, não há contato do Espírito. Assim, livre-arbítrio é simplesmente o poder de resistir à própria enfermidade da vontade e aceitar a oferta da graça de Deus apenas quando assistido pelos poderes superiores. Sua subordinação ao Espírito e à Palavra é sempre pressuposta”.
 
“Das três causas concorrentes, a vontade é colocada em terceiro lugar, e se torna uma causa apenas quando precedida e vivificada pela atividade das outras duas. Assim, Melanchthon está tanto muito longe do Pelagianismo de um lado quanto do determinismo do outro. Ele preserva o meio dourado. Contra a ênfase unilateral de Lutero no amor de Deus e a doutrina da graça irresistível de Calvino, Melanchthon mantém e conserva a responsabilidade humana. Assim, ele transmite uma qualidade ética à teologia luterana que, caso contrário, ela não teria tido [Vide o ensino, sobretudo, dos amsdorfianos]. A personalidade moral é instada e é feita responsável pelo uso dos meios da graça para apropriação da salvação e para uma vida justa”.
 
É a conclusão dos juízes mais competentes que, neste ponto [isto é, o da “personalidade moral”], mesmo a Fórmula de Concórdia adere à tendência fundamental de Melanchthon [mesmo mantendo o monergismo na conversão], e os expositores posteriores da Fórmula de Concórdia, não obstante as suas calúnias a Melanchthon, simplesmente adotaram sua concepção do caminho da salvação a fim de salvar a sua própria ‘ordo salutis’ em seu ponto mais crítico de inconsistência e de absurdidade do puro acidenteAlém disso, alguns dos luteranos mais capazes modernos – Thomasius, Sthal, Harless, Hofmann, Khanis e Luthardt – têm mais ou menos seguido o rumo tomado por Melanchthon, e desenvolveram a doutrina luterana da vontade e da predestinação longe da posição tomada por Lutero em De servo arbitrio, e nunca renunciaram. Na verdade, a proposição de que Deus ama e elege o homem em Cristo, e não por um ‘absolute beneplacitum’, tornou-se clássica na igreja luterana” (RICHARD, James William, Philip Melanchthon, the Protestant preceptor of Germany (1497-1560), 1898, G. P. Putnam’s Sons, New York and London, pp. 236 a 238).
 
Deste mesmo autor, recomendo a leitura da obra The Confessional History of the Lutheran Church, originalmente publicada em 1909 e muito rica em informações históricas, trazendo também detalhes de documentos primários dos debates de ambos os lados das controvérsias luteranas.
 
Em suma, a teologia luterana acomodou as visões monergista e sinergista. Não houve derrota total de um e vitória completa do outro. Não houve reprovação geral à visão sinergista de Melanchthon. Os luteranos, no final do século 16, estabeleceram um meio-termo, onde, em primeiro lugar, mantiveram-se monergistas na conversão, mas entendendo a natureza humana de forma menos radical do que a que propugnavam os luteranos calvinistas seguidores de Matthias Flacius; em segundo lugar, reconheceram que o homem coopera com Deus após a conversão, como defendiam os filipistas e diferentemente do que entendiam os luteranos calvinistas amsdorfianos; e, em terceiro lugar, como enfatizei, seguiram todas as demais mudanças que Melanchthon, juntamente com Lutero, empreendeu quanto ao entendimento da mecânica da Salvação ao final de sua vida (negação da predestinação dupla, expiação ilimitada, graça universal e possibilidade de um cristão genuíno cair da graça).
 
Essa foi também a linha seguida por toda a “Ortodoxia Luterana” que se seguiu após essa controvérsia do século 16. Inclusive, ainda no século 17, os respeitados luteranos ortodoxos Johann Quensteldt e David Hollaz chegariam até mesmo a defender a predestinação com base na presciência, e hoje já há até luteranos que deram um passo mais adiante, defendendo a eleição condicional, de maneira que, como frisei no meu último artigo, e afirma o teólogo luterano Douglas A. Sweeney, “os luteranos se inclinaram mais para os arminianos do que para os calvinistas sobre algumas das questões doutrinárias que dividiam os dois grupos”. Trocando em miúdos, no final das contas, a visão de Melanchthon acabou sendo mais preponderante na teologia luterana do que a de seus adversários.
 
Por todas essas razões, o professor reformado norte-americano Herman Hanko admite com lamento: “O Luteranismo, apesar de Lutero, tornou-se essencialmente sinérgico. Embora o próprio Lutero não era, em nenhum sentido da palavra, um sinergista, Philip Melanchthon, seu amigo e colega de trabalho, o era. Sob a influência de Melanchthon, o sinergismo foi oficialmente incorporado nos padrões confessionais das Igrejas Luteranas e continua até o presente como uma parte integrante da teologia luterana” (HANKO, Herman, The Relation Between the Lutheran and Calvin Reformation, in site hopeprc.org, seção "Pamphlets”). (Atenção: Hanko não diz que a teologia luterana se tornou completamente sinérgica, mas “essencialmente sinérgica”, posto que o sinergismo tornou-se, de fato, uma considerável parte integrante dela).
 
Dito isto, vamos às minhas demais observações sobre as objeções do irmão Franklin.
 
7) O irmão Franklin, em uma tréplica recente, manifesta desconforto por eu usar insistentemente a expressão “mecânica da Salvação” e sugere que talvez isso, que o incomoda, seja influência católica ou eventualmente de uma teologia popular influenciada por Finney. Diz ele: “Me causa desconforto o uso recorrente da expressão ‘mecânica da salvação’, o que, me parece, remete o debate à posição católica popular (como conectada ao recebimento mecânico da graça pelos sacramentos, numa distorção daquilo que o catolicismo denomina de ex opere operato) ou evangélica popular (como relacionada à ‘aceitação’ de Cristo diante do apelo, que assegura aquele que ‘se decidiu’ a salvação, conforme sistema popularizado pelo pelagiano Charles Finney), o que empobrece a linguagem do debate”.
 
Não tomei essa expressão de nenhum teólogo católico, nem de pelagianos ou semipelagianos. Aliás, não sei porque essa constante suspeita dos irmãos calvinistas de que tudo que diga respeito ao pensamento arminiano seria uma importação do pensamento católico. Esse é um preconceito, além de tremendamente equivocado, extremamente datado. Mas, prefiro acreditar que o irmão tenha pensado isso sobre mim apenas porque, em resposta a algumas objeções do irmão, tive que escrever alguns parágrafos sobre detalhes da teologia de Agostinho, Aquino e Cassiano nos quais eventualmente citei uma ou outra obra católica.
 
A ironia e a graça dessa história é que tomei esse termo emprestado exatamente do calvinista Martin Lloyd-Jones, mais precisamente de uma palestra dele transformada em livro (como tantas outras) na qual ele usou essa expressão para explicar e enfatizar que conquanto ele, como calvinista, não considerasse o arminianismo uma visão correta, ele reconhecia que a diferença entre arminianos e calvinistas no que concerne à Doutrina da Salvação não se tratava de nada grave. Essa palestra dele, proferida em uma conferência realizada na Áustria em 1971 pela Associação Internacional de Estudantes Evangélicos (IFES, na sigla em inglês), encontra-se publicada, no Brasil, nas obras Que é um evangélico? e Discernindo os Tempos, ambas lançadas há muitos anos pela editora PES.
 
Na referida palestra, Lloyd-Jones afirmava, com acerto, que toda a diferença entre calvinistas e arminianos dizia respeito ao “mecanismo da Salvação”, e não ao “método [caminho] da Salvação”. Quando li isso pela primeira vez há mais de dez anos, achei os termos usados pelo irmão Lloyd-Jones didaticamente perfeitos para explicar às pessoas a essência das divergências entre calvinistas e arminianos. Desde então, tenho usado essa expressão constantemente, e propositadamente repito-a de forma sistemática em meus artigos, para deixar sedimentado, na mente das pessoas que me lêem, no que consiste exatamente essa diferença. Se essa insistência incomoda o irmão, lamento, mas continuarei a cometê-la, por crer que tal prática resultará em um melhor entendimento sobre o assunto por parte de um maior número de pessoas.
 
Por fim, se o irmão Franklin tivesse lido com mais atenção meu artigo na revista Obreiro Aprovado, não teria essa suspeita, pois cito, na penúltima página dele, o uso que Lloyd-Jones fazia desse termo.
 
8) E por falar de nomenclatura, na mesma tréplica, o irmão Franklin não aceita que eu divirja, juntamente com uma gama enorme de outros historiadores, quanto à oposição ao uso da nomenclatura “semiagostinianismo” para se referir aos chamados “semipelagianos”, dizendo que é importante ter definições bem claras dos termos, e que isso significaria seguir sempre a definição mais usual. Entretanto, quando corrijo o irmão Franklin, afirmando, conforme a definição usual de Idade Média, que Próspero de Aquitânia não era medieval, o irmão já prefere relativizar a importância das definições usuais, dizendo que Agostinho e Próspero, de certa forma, por estarem situados ao final da Antiguidade, podem excepcionalmente ser considerados também medievais, apesar de usualmente não serem considerados assim, e que como alguns historiadores chegam a tratar Agostinho, em certo sentido (“intelectualmente”), como medieval, então, por tabela, podemos fazer o mesmo com Próspero. Ou seja, em um momento, o irmão sugere a imprescindibilidade das definições usuais; mas, logo em seguida, contraditoriamente, faz pouco caso delas. Um mesmo peso, duas medidas diferentes.
 
Diz o irmão Franklin: “Palavras têm significado. Portanto, há que se fazer uma diferença entre semipelagianismo e semiagostinianismo: o primeiro ensina que a graça de Deus e a vontade do homem trabalham juntas na salvação, e o homem deve tomar a iniciativa; a fé e o arrependimento são obras humanas, sendo consideradas pré-requisitos para se receber o Espírito. O segundo ensina que a graça de Deus se estende a todos, capacitando uma pessoa a escolher e a fazer o necessário para a salvação; a fé e o arrependimento são dons do Espírito. Esta diferença não pode ser subestimada. Ainda que o termo ‘semipelagianismo’ tenha sido cunhado pelos luteranos no século XVI, e usado na Epítome da Fórmula de Concórdia, para, retrospectivamente, rotular a teologia associada à João Cassiano (conhecida como massilianismo, mas que também tem sido chamada pelos católicos de semipelagiana)”.
 
E ainda: “Usando a data da queda do Império Romano do Ocidente, que a historiografia tradicional emprega para marcar o fim da Antiguidade clássica, o autor rejeita Próspero de Aquitânia como um escritor medieval, desconsiderando o fato de que, intelectualmente, pode-se citar as origens do pensamento medieval cristão em Agostinho de Hipona, o ‘mestre do ocidente’ (Philotheus Boehner e Etienne Gilson, História da filosofia cristã) – por exemplo, Jacques LeGoff situa Agostinho num primeiro período do medievo, que “balança da Antiguidade Tardia e a alta Idade Média” (cf. Homens e mulheres da Idade Média; cf. também A. S. McGrade (org.), Filosofia medieval; Josep-Ignasi Saranyana, La filosofía medieval: desde sus orígenes patrísticos hasta la escolástica barroca; Etienne Gilson, A filosofia na Idade Média; D. W. Hamlyn, História da filosofia ocidental, etc.). Ao tratar da rejeição da heresia pelagiana no Sínodo de Cartago, em 418, M. Pohlenz afirmou: ‘O fato de a Igreja ter-se pronunciado por tal doutrina [da necessidade da graça] assinalou o fim da ética pagã e de toda a filosofia helênica – e assim começou a Idade Média’ (cf. Giovanni Reale & Dario Antiseri, História da filosofia. v. 2)”.
 
Para mim, é questão resolvida há muito tempo que (1) as definições usuais nem sempre são precisas, pois há casos em que são corretas e outros em que não o são; e também que, (2) nos casos claros de imprecisão dos termos usuais, deve-se ou evitar o uso do termo impreciso ou eventualmente até mesmo conceder usar o referido termo devido à sua popularidade, mas fazendo sempre ressalvas claras quanto a seu uso. Este foi o caminho tomado no meu artigo em “Obreiro Aprovado”: deixei claro que, por questões práticas, usaria o termo mais usual, o mais popular, para se referir aos cassianistas (no caso, “semipelagianos”, mais popular do que o termo igualmente válido “massilianistas”), mas frisando que, por questões de justiça, a melhor nomenclatura para se referir aos cassianistas deveria ser “semiagostinianos”.
 
Mesmo eu preferindo o termo usual (“semipelagianismo”), o irmão achou um erro eu ter dito que Cassiano e seus seguidores também poderiam ser chamados de “semiagostinianos”. Ora, uma vez que eu estou ciente das evidências em contrário de muitos historiadores em relação ao termo “semipelagianismo” para se referir aos cassianistas, não posso ignorá-las apenas para adequar os termos às definições preferidas por um determinado sistema do gosto do irmão. Entendo que o uso do termo “semiagostinianos” para se referir aos cassianistas possa incomodar calvinistas como R. C. Sproul, que, por conveniências óbvias, prefere se opôr a esse uso, mas eu não posso fugir dos fatos. Aliás, Sproul, que insiste em trabalhar seu entendimento de tudo apenas sobre dois eixos – Agostinianismo e Pelagianismo ou Monergismo e Sinergismo – até pouco tempo (não sei se ainda continua) era tão “preciso” nesse seu sistema de definições que sustentava o absurdo de que Arminianismo nada mais é do que Semipelagianismo.
 
Ademais, como afirma o teólogo luterano norte-americano James William Richard, a verdade é que até mesmo o termo “sinergismo” é impreciso. Ressalta Richard que “sinergista, sinergia e sinergístico são termos de reprovação inventados [no século 16] por [Matthias] Flacius e seus seguidores”, os quais “não são justos para descrever o outro lado da controvérsia [os filipistas]”, porque “os filipistas repudiavam as coisas essenciais que os flacianos afirmavam sobre eles ao utilizarem essas palavras, ou seja, que, na conversão, a vontade é ‘causa eficiente’ e que por seu próprio poder nativo ela pode concordar com a promessa e cooperar com a graça divina” (RICHARD, J. W., Confessional History of Lutheran Church, 1909, Lutheran Publication Society Philadelphia, p. 351). Nenhum filipista e nenhum arminiano defenderam tal coisa. Mas é isso que sugere o termo “sinergista”, cunhado no calor das paixões de um debate teológico e com o anseio de impingir à força a pecha de que haveria alguma proximidade dos filipistas com o pelagianismo. Seria correta, portanto, a aceitação passiva desse termo para se referir à posição filipista ou à arminiana? Qualquer nível de entendimento de um consentimento da vontade no processo de conversão, por mínimo que seja – sem ser “initium fidei” e subordinada à ação da Palavra e do Espírito –, se encontra abrigado perfeitamente no termo “sinergismo”, que sugere uma participação intensa e equivalente entre duas ações ou vontades? Não seria muito melhor um outro termo para classificar isso?
 
Enquanto não se convenciona termos mais precisos, a gente vai tocando a vida com as nomenclaturas usuais inventadas no século 16 e que, não poucas vezes, mais confundem do que explicam. Eu as uso também, mas consciente de que elas são imperfeitas e eventualmente fazendo ressalvas ao usá-las. O problema é que, infelizmente, alguns irmãos já têm, nessas questões específicas relativas à mecânica da Salvação, um sistema pré-definido, rígido e tendenciosamente genérico, como é o caso do irmão Sproul, onde tudo deve ser entendido sempre atendendo inexoravelmente a um esquema pré-estabelecido: tudo tem que se encaixar perfeitamente no esquema dos dois eixos, com as gradações sendo tão “claras” e “precisas” que Sproul chama Arminianismo de Semipelagianismo...
 
Nem mesmo Agostinho tratou os cassianistas como semipelagianos, mas como se fossem quase agostinianos. Foi Próspero de Aquitânia, logo após a morte de Agostinho, que tratou os cassianistas como hereges e, mesmo assim, Próspero teve que voltar atrás rapidamente em muitos dos seus posicionamentos após o debate com eles nos primeiros anos após a morte de Agostinho. Além do mais, o Sínodo de Orange (529) não condenou o cassianismo como um todo, mas apenas um único e pequeno aspecto dele, e ainda condenou a dupla predestinação agostiniana.
 
Mas, alguém pode perguntar: “Então, como chamaremos o resultado do Sínodo de Orange, se os semipelagianos eram, na verdade, semiagostinianos?”. O resultado desse Sínodo não é nem cassianista, nem agostiniano. À risca, é uma terceira coisa, porque condenou a ideia de um eventual “initium fidei” por parte do homem, mas não condenou a expiação ilimitada, a graça resistível, a predestinação com base na presciência e a possibilidade de um cristão genuíno cair da graça (todos pontos reprovados por Agostinho) defendidos igualmente pelos cassianistas e confirmados pelos Concílios de Arles e Lião em 476; e, repito, ainda condenou a predestinação dupla agostiniana. Essa terceira vertente derivada dos Sínodos de Arles, Lião e Orange seria chamada, séculos depois, de “Arminianismo”, mas, por questões práticas, prefiro chamar ou de “Agostinianismo moderado” ou até mesmo de “Semiagostinianismo” também, mas sempre fazendo a ressalva de que os próprios cassianistas podem ser classificados igualmente como semiagostinianos.
 
Essas nossas definições usuais são tão “precisas” que, não à toa, encontramos declarações como esta em algumas obras: “Essa posição oficial tomada pelo Sínodo de Orange em 529 pode ser chamada tanto de Semipelagianismo como de Semiagostinianismo, uma vez que ela tomou um meio-termo nessa disputa” (DITMANSON, Harold H., Grace in Experience and Theology, 1977, Augsburg Publication House, p. 53). E ainda: “Nos séculos subseqüentes, o ensino de Agostinho foi modificado para o que muito mais tarde, no século 16, começaria a ser chamado de Semipelagianismo, ou melhor, Semiagostinianismo, uma vez que as categorias de Agostinho permeiam essa abordagem” (HILLERBRAND, Hans J. [editor], Historical Dictionary of the Reformation and Counter-Reformation, 2000, Fitzroy Dearbon Publishers, verbete “Grace”).
 
Percebe como, na medida em que nos aprofundamos no conhecimento de cada uma dessas correntes, as classificações usuais se tornam cada vez mais imperfeitas? Algumas pessoas se perguntam: por que essas diferenças de nomenclatura entre os teólogos e historiadores? Porque a verdade é que embora o Cassianismo não seja Arminianismo, nem o Arminianismo seja Luteranismo e nem o Luteranismo seja Cassianismo, o Cassianismo é um tipo de Semiagostinianismo, assim como o que seria chamado posteriormente de Arminianismo também é um tipo de Semiagostinianismo, assim como o Luteranismo é igualmente outro tipo de Semiagostinianismo. Todos variando apenas no nível de gradação do seu Agostinianismo, mas mantendo sempre as bases mais importantes deste: a defesa do pecado original e a condenação veemente do Pelagianismo.
 
Sobre o Cassianismo ser Semiagostinianismo, seguem abaixo alguns depoimentos, dentre tantos que eu poderia listar aqui, de teólogos e/ou historiadores (além dos que citei no primeiro artigo) que corroboram o que eu digo (os eventuais grifos e colchetes são meus):
 
Semipelagianismo – Doutrina, sustentada durante o período de 427 a 529, que rejeita as visões extremas tanto de Pelágio quanto de Agostinho no que diz respeito à prioridade da graça divina e da vontade humana no trabalho inicial da salvação. O termo ‘Semipelagianismo’, no entanto, é uma expressão relativamente moderna, a qual aparentemente apareceu pela primeira vez na luterana Fórmula de Concórdia (1577) e veio a ser associada à teologia do jesuíta Luís Molina (1535-1600). O termo, não obstante, foi uma escolha infeliz, porque os chamados semipelagianos queriam ser qualquer coisa, menos meio-pelagianos. Seria mais correto chamá-los de semiagostinianos, pois conquanto rejeitassem as doutrinas de Pelágio e respeitassem Agostinho, não desejavam seguir às últimas consequências sua teologia” (ELWELL, Walter A., Evangelical Dictionary of Theology, p. 1089).
 
“‘Semipelagianismo’ é muito mais difícil de definir. O termo não foi cunhado até o final do século 16, na luterana Fórmula de Concórdia de 1577. Ela foi adotada por alguns teólogos católicos também, particularmente pelos dominicanos [tomistas], que usaram o termo para descer a lenha em seus adversários jesuítas [molinistas]. Alguns têm sugerido que provavelmente o termo ‘Semiagostinianismo’ é o mais preciso, uma vez que não se defendeu um meio-termo com Pelágio, mas se apoiou a doutrina da graça e do pecado original de Agostinho” (CARTWRIGHT, Steven [editor], A Companion to St. Paul in the Middle Ages, 2013, Brill, pp. 86 e 87).
 
“Com isto, nós estamos no campo do que viria mais tarde a ser chamado de Semipelagianismo e que, mais recentemente, e provavelmente mais corretamente, tem sido referido como Semiagostinianismo” (RAMSEY, Boniface, John Cassian: The Conferences, 1997, Newman Press, p. 459).
 
“...foi mais tarde esposada por João Cassiano na décima-terceira de suas famosas 24 ‘Conferências’ e veio a ser chamada como Semipelagianismo ou, mais recentemente, e provavelmente mais corretamente, como Semiagostinianismo” (RAMSEY, Boniface, Saint Augustin – Selected Writings on Grace and Pelagianism, 2011, Augustinian Heritage Institute, p. 23).
 
“...a doutrina chamada de Semipelagianismo, embora deva ser mais propriamente chamada de Semiagostinianismo, uma vez que Cassiano separou-se nitidamente de Pelágio e classificou-o como herético, enquanto sentiu-se em completa harmonia com Agostinho...” (JACKSON, Samuel M.; The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge, volume 2, 1977, Baker Book House, p. 436).
 
“Note que o rótulo ‘Semipelagianismo’, com a sugestão de ‘meio-herético’, é impreciso quando aplicado a visões desse tipo. Muitas vezes, é ignorantemente aplicado ainda hoje como um termo de recriminação contra visões similares. ‘Semiagostinianismo seria ao menos mais exato e menos petição de princípio’ (BETHUNE-BAKER, ‘Early History of Christian Doctrine, p. 321)” (BETTENSON, Henry; MAUNDER, Chris, Documents of the Christian Church, quarta edição, 2011, Oxford University Press, p. 63 – Caros leitores, esta obra, bastante conhecida e a qual recomendo, existe em português).
 
O termo ‘Semipelagianismo’ é anacrônico, inventado séculos mais tarde com base em certos conteúdos da controvérsia pelagiana, e não foi usado por Agostinho. Agostinho não considerava os monges de Hadrumetum, Provence e Marseille como ‘heréticos pelagianos’, mas como ‘irmãos em Cristo’ que tinham dúvidas sobre a natureza da graça de Deus e sobre as consequências da sua doutrina da graça. Essa fraternal troca de explanações nunca tomou a forma de uma controvérsia [entre Agostinho e os cassianistas]. Os monges explicitamente rejeitaram o pensamento de Pelágio. Além de ser anacronismo, por isso, o termo ‘Semipelagianismo’ é também incorreto” (DUPONT, Anthony, Gratia in Augustine’s Sermones ad Populum during the Pelagian Controversy, p. 64).
 
O termo ‘Semipelagianismo’ é, de fato, um anacronismo. Aqueles a quem é aplicado o termo hoje estavam simplesmente tentando chegar a algum meio-termo diante da visão um tanto extremada de Agostinho sobre a predestinação e o papel do livre-arbítrio na salvação do homem” (NEIL, Bronwen, Leo the Great, Routledge, 2009, p. 34).
 
“...o que mais tarde veio a ser chamado de Semipelagianismo, que não é um termo de louvor, claro, dado que Pelágio foi um herético declarado; Semiagostinianismo teria sido o termo mais preciso...” (BERGER, Karol, Bach’s Cycle, Mozart’s Arrow: An Essay on the Origins of Musical Modernity, 2006, University of California Press, p. 136).
 
“Eles [os cassianistas], então, estabeleceram um meio-termo que veio a ser conhecido como Semipelagianismo, mas que poderia muito bem ter sido chamado de Semiagostinianismo” (STILWELL, Gary A., Where Was God: Evil, Theodicy, and Modern Science).
 
“Isto é usualmente chamado como ‘Semipelagianismo’. Entretanto, há alguns que preferem dar preferência – como faz R. Seeberg, por exemplo – ao nome ‘Semiagostinianismo’” (PALMER, Edwin Hartshorn, The Encyclopedia of Christianity, volume 2, 1968, National Foundation for Christian Education, p. 372).
 
“Esta visão, mais tarde chamada de Semipelagianismo ou, dependendo da perspectiva, Semiagostinianismo...” (HIGGINS, John R.; DUSING, Michael L.; TALLMAN, Frank D.; An Introduction to Theology: A Classical Pentecostal Perspective, 1993, Kendall/Hunt Pub., p. 71).
 
“Cassiano tem sido chamado de pai do Semipelagianismo, mas seria mais justo descrever o sistema que ele advogava como Semiagostinianismo” (WILLIAMS, Norman Powell, The Grace of God, 1930, Longmans, Green and Co., p. 46).
 
“Ele [João Cassiano] ganhou alguns seguidores. Sua modificada forma da doutrina de Pelágio é chamada de Semipelagianismo, mas alguns a chamam de Semiagostinianismo por ser uma posição entre as duas visões” (OGDEN, Russel, The Freedom Book: Choosing Your Future, 2011, WestBow Press, p. 138).
 
É enganador usar o termo ‘Semipelagianismo’ para Casssiano, como se implicasse que ele simpatizasse com Pelágio e adotasse uma forma modificada de sua doutrina herética. Autores têm dito que seria mais justo chamar o erro de Cassiano de ‘Semiagostinianismo’. [...] [Citando outros autores:] ‘Semiagostinianismo seria uma designação mais precisa, que não implicaria nenhuma dúvida’. [...] ‘A controvérsia (...) tem sido comumente chamada, desde o século 16, como Semipelagianismo, embora Semiagostinianismo seria o termo mais verdadeiro para descrevê-la’” (MERTON, Thomas; O’CONNELL, Patrick F.; Cassian and the Fathers, 2005, Cistercian Publications, pp. 102 e 103).
 
“O Semiagostinianismo da escola de Vicente, Cassiano e Faustus foi estigmatizado com o rótulo um tanto áspero de Semipelagianismo” (ROBERTSON, Archibald, Regnum Dei: Eight Lectures on the Kingdom of God in History of Christian Thought, 2004, Wipf and Stock Publishers, p. 203).
 
“Semipelagianismo é um nome conveniente, mas enganoso” (CRISTIANI, L., Jean Cassien, La Spiritualité Du Désert, volume 2, 1946, S. Wandrille, p. 237).
 
“Aplicar o termo [Semipelagianismo] aos monges da África ou da Gália que tinham dificuldades com as visões de Agostinho é, ao mesmo tempo, anacronismo e injustiça” (TESKE, R. J., General Introduction in Answer to the Pelagians, volume 4 – To the Monks of Hadrumetum and Provence ["The Works of Saint Augustin", I/26], 1999, p. 11).
 
“O termo ‘Semipelagianismo’ (...) é inutilmente pejorativo e sugere uma ligação direta com Pelágio” (DANIÉLOU, J.; MARROU, H. I.; The Christian Centuries, volume 1 ["The First Six Hundred Years”], Londres, 1978).
 
O nome [Semipelagianismo] é errado. Os líderes dessa escola não estavam a meio-caminho de se tornarem discípulos de Pelágio” (CHADWICK, O., John Cassian – A Study in Primitive Monasticism, 1968, Cambridge, p. 127).
 
Posso aumentar essa lista. Parei aqui para não ficar muito cansativo. E volto a perguntar: sabendo de tudo isso, como eu posso, conscientemente, aceitar inquestionável, passiva e silenciosamente um determinado uso recente e popular de uma determinada nomenclatura (“Semipelagianismo”), sem sequer fazer uma ressalva quanto a seu uso e sem mencionar a outra nomenclatura que parece ser a mais indicada (“Semiagostinianismo”), quando há evidências claras de que aquela nomenclatura (“Semipelagianismo”) é mesmo imprecisa e há inúmeros historiadores respeitados que reconhecem isso e preferem, por isso, esta outra nomenclatura (“Semiagostinianismo”)? Entretanto, apesar de tudo isso, ao fazer essa ressalva, ainda sou lamentavelmente classificado como alguém que distorce os significados ou os fatos históricos. E olha que, mesmo após a ressalva, insisti no termo usual “Semipelagianismo” para não causar confusão!
 
Como se não bastasse, ainda há outro detalhe importantíssimo que foi esquecido nessa questão toda: embora a discussão sobre termos tenha, sem dúvida, a sua importância, nossa preocupação principal deve ser sempre em relação ao sentido em que os termos são empregados. Ou seja: as palavras têm significados, mas mais importante do que as palavras são os significados.
 
As palavras empregadas correspondem realmente aos seus significados? E ainda: apesar das divergências de nomenclaturas, têm-se, pelo menos, alguma concordância sobre os significados representados por essas nomenclaturas?
 
É comum historiadores preferirem um termo X para se referir a um fato A, enquanto outros preferem o termo Y para se referir à mesma coisa, e pode-se debater intensamente sobre qual o termo mais indicado a ser usado, mas o que é mais importante do que definir qual o termo que melhor se aplica a uma coisa é saber, antes de tudo, se ambos os lados, pelo menos, têm a mesma compreensão da coisa em si a qual se referem por termos diferentes. Ambos estão de acordo com o conteúdo e suas características? A divergência recai apenas no rótulo utilizado para descrevê-la ou a divergência vai além do rótulo diferente? Isso evita “ruídos de comunicação”, isto é, desentendimentos mais do que desnecessários.
 
O que quero dizer com isso? Permita-me ser direto: o irmão acabou, desnecessariamente, se prendendo a uma questão de somenos importância e, ainda mais, assumindo intransigentemente um lado que, à luz de inúmeros especialistas, pode-se afirmar que não é o mais feliz. O irmão, claro, pode achar o contrário sobre sua posição, que tem seus seguidores; mas, a verdade é que, à luz de todas essas informações, conquanto respeitando sua posição, não posso concordar com ela de forma alguma devido às claras deficiências que ela apresenta.
 
E por falar do sentido por trás das palavras, vejamos agora o caso de Próspero de Aquitânia.
 
Será que quando Boehner e Gilson, ao mencionarem corretamente, como o irmão menciona, que as origens do pensamento medieval estão em Agostinho, estão querendo dizer com isso que Agostinho já estava na Idade Média ou apenas que o pensamento que acabaria preponderando na Idade Média teve sua origem no final da Antiguidade com Agostinho? Será que quando o medievalista Jacques LeGoff declara que Agostinho “balança da Antiguidade Tardia à alta Idade Média”, ele está dizendo que o bispo de Hipona é Idade Média ou apenas que, mesmo sendo cronologicamente Antiguidade, Agostinho, por viver no fim da Antiguidade e por seu pensamento ter marcado o início da Idade Média, estava quase (“balança”) na Idade Média? Quando Pohlenz fala sobre a rejeição da heresia pelagiana no Sínodo de Cartago, em 418, ele está declarando que a Idade Média começou mesmo, de fato, em 418, com a decisão desse Sínodo, ou apenas que a decisão desse Sínodo assinala o fim da ética pagã e de toda a filosofia helênica, que é algo que caracterizou a Idade Média em seu início?
 
Veja: não é que eu discorde que “intelectualmente” não possamos situar o pensamento de Agostinho e de Próspero como “medievais” (Aliás, ao contrário, concordo com isso plenamente!), mas, sim, que a questão é que Agostinho e Próspero não estão situados cronologicamente na Idade Média. Esse era o ponto, mas o irmão acabou desvirtuando esse aspecto da minha crítica à menção de Próspero (que é uma crítica que vai, aliás, muito mais além do que esse aspecto). Ao se falar de Idade Média, é óbvio que eu não estava falando de uma definição elástica que incluiria a identificação intelectual de pensamentos do fim da Antiguidade, ou mesmo do início da Modernidade, com uma mentalidade preponderante na Idade Média, mas, sim, ao recorte histórico mesmo, temporal: quem, no período da Idade Média, defendeu essencialmente o que Agostinho defendeu em relação à mecânica da Salvação.
 
A data majoritária, praticamente consensual, do início da Idade Média no ano 476 é, dentre as alternativas levadas a sério, a segunda mais próxima que encontramos de Agostinho e Próspero entre todos os historiadores. As outras estabelecem esse início nos anos 455 (ano considerado pela maioria dos especialistas como o mais provável para a morte de Próspero), 487, 500 (a segunda alternativa mais aceita pelos especialistas para o início da Idade Média), 550 e 750. “750?” Sim, porque há quem classifique os anos de 400 a 750 como “Antiguidade Tardia” (sic). Mais cedo que o ano 476, só há o posicionamento menos aceito por todos os especialistas, que inicia a Idade Média no ano 300(!).
 
Em segundo lugar, a questão aqui é um pouco mais ampla do que a mera discussão sobre precisão e imprecisão de termos ou de definições de fases cronológicas, porque, independente de considerarmos Próspero ou não um homem da Idade Média, independente de qual definição usarmos para Idade Média (as temporais ou mesmo a intelectual), ainda há o fato de que Próspero era contemporâneo de Agostinho e discípulo direto deste durante seu ministério, tendo defendido o mesmo que seu mestre por influência direta deste enquanto este estava vivo. Logo, uma vez que, ao referir-me à Idade Média, eu estava aludindo claramente a todos que vieram após Agostinho (e foi assim, inclusive, que o irmão, ao mencionar Próspero, entendeu originalmente o que eu disse), e Próspero foi contemporâneo e discípulo direto de Agostinho, logo Próspero já não se encaixaria como exemplo.
 
Foi só depois que fiz essa observação, lembrando, inclusive, que Próspero tecnicamente não era Idade Média, que o irmão, tentando justificar a menção a Próspero, procurou incluir o próprio Agostinho na Idade Média. Só que eu não me referi apenas à questão técnica se Próspero era ou não Idade Média. Esse foi apenas um dos pontos que levantei inicialmente. Independente deste, ainda ficam dois problemas: primeiro, se ele era contemporâneo de Agostinho e discípulo direto deste durante seu ministério, tendo defendido o mesmo que seu mestre por influência direta deste enquanto este estava vivo, como ele pode ser considerado pós-Agostinho? Só porque ele, por ser mais jovem, viveu alguns anos a mais? E além do mais, em segundo lugar, como eu acrescentei, Próspero mudou de posição em relação a seu mentor depois que este morreu. Portanto, ainda mais por esse fato, Próspero não se encaixaria mesmo.
 
Quanto às mudanças de posição do Próspero velho em relação ao pensamento de Agostinho, o irmão despreza a fonte que eu mencionei, quando ela traz simplesmente o que é considerado o último grande estudo já produzido no mundo por especialistas em Próspero de Aquitânia e seu pensamento. Mas, posso citar também os historiadores M. Cappuyns, Arturo Elberti, Alexander Hwangs e Justus Gonzales que corroboram o que digo. Os dois primeiros, inclusive, defendem que há três estágios claros do pensamento de Próspero em relação ao entendimento da mecânica da Salvação: a intransigente (até 432), a das primeiras concessões (433-435) e a das grandes concessões (após 435), esta última influenciada especialmente pelo papa Leão I, que não pensava como Próspero as questões da graça e do livre-arbítrio.
 
Mas, se o irmão preferir, podemos ler o próprio Próspero velho para “tirar a prova dos nove” sobre a mudança em seu pensamento. Vejamos apenas alguns trechos (se não este artigo vai ficar maior do que já é) de sua obra Chamado às Nações, reconhecida pela maioria esmagadora dos especialistas como sendo uma obra de sua autoria:
 
“A palavra do apóstolo, de que [Deus] deseja que todos os homens sejam salvos, deve ser entendida em seu inteiro e pleno significado” (PRÓSPERO, Chamado às Nações, Livro I, capítulo 12)
 
“Confesso que Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (Ibid, Livro II, capítulo 1)
 
“O evangelho da cruz de Cristo foi estendido a todos os homens, sem exceção” (Ibid, Livro II, capítulo 1)
 
“A Bíblia ensina que Deus quer que todos os homens sejam salvos” (Ibid., Livro II, 2)
 
“Cristo morreu por todos os pecadores. [...] Ele morreu por todos os homens, sem exceção” (Ibid., Livro II, 16)
 
“Ele não recusou dar a toda a humanidade o que Ele deu a alguns homens, mas em alguns homens essa graça prevaleceu e em outros homens a natureza a resistiu” (Ibid., Livro II, capítulo 25)
 
“Quando, portanto, ouvimos Deus falar dessa forma com Caim, podemos ter qualquer dúvida de que Ele desejava a sua conversão e, tanto quanto era necessário, trabalhou para trazê-lo de volta a seus sentidos deste frenesi de impiedade? Mas, a maldade obstinada de Caim tornou-se mais indesculpável ainda através do que deveria ter sido o seu remédio. E, é claro, Deus previu a que extremos sua loucura iria levá-lo; e ainda, devido a este conhecimento infalível de Deus, não se pode concluir que a sua vontade criminosa foi instada por qualquer necessidade para o pecado. [...] Embora essas misericórdias divinas não tenham trazido qualquer remédio ou alteração sobre esses pecadores obstinados, elas mostram, no entanto, que a sua alienação não era o efeito de uma ordenança divina, mas de suas próprias vontades” (Ibid., Livro II, 13)
 
“Os fiéis que pela graça de Deus crêem em Cristo ainda permanecem livres para não crerem; aqueles que perseveram ainda podem se afastar de Deus” (Ibid., Livro II, 28)
 
Mas, deixemos Próspero e o quinto século, e voltemos outra vez ao aqui e agora.
 
(Este artigo continua na próxima postagem)

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Fonte:http://www.cpadnews.com.br/blog/silasdaniel/o-crist%C3%AF%C2%BF%C2%BDo-e-o-mundo/106/respostas-as-objecoes-levantadas-pelo-irmao-franklin-ferreira-a-meu-artigo-em-obreiro-aprovado-(parte-v).html