05.05.2014
Do portal União de Blogueiros Evangélicos
PorValmir Nascimento por

Qual a finalidade da apologética cristã? Norman Geisler diz que ela
serve para abrir a porta, livrar-se dos obstáculos, desobstruir o
caminho, de modo que as pessoas possam achegar-se a Cristo. Com
pensamento semelhante Peter Grant também afirma que a apologética tenta
ajudar os não-crentes a atravessar a jornada até a fé em Cristo – ir
além do abismo cultural e encarar o abismo da cruz a fim de que possam
ouvir a mensagem clara do evangelho”[1].
Se Geisler e Grant realmente estiverem certos – e eu acredito que
estejam – precisamos nos lembrar que os obstáculos colocados no caminho
que conduz à Cruz de Cristo e o abismo cultural que separa as pessoas do
evangelho mudam com o decorrer do tempo. Cada época tem seus desafios e
empecilhos próprios. E isso exige consequentemente a adaptação da
apologética, para que possa responder de forma efetiva às demandas do
seu contexto social, sobretudo para desfazer preconceitos contra o
pensamento cristão, desmascarar vãs filosofias e destruir os conselhos e
toda altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus (2 Cor.10.5).
Por essa razão, nos dias atuais não se concebe mais uma apologética fria e racional que ofereçasomente respostas
lógicas para a mente sem se importar com os anseios existenciais dos
indivíduos. Nesse sentido, afirma-se que a apologética clássica, que
pretende defender a existência de Deus a partir de argumentos da
teologia natural, não consegue – sozinha – atender as demandas da
contemporaneidade. Francis Schaeffer sintetizava essa ideia ao afirmar
que apologética não significa “viver fechado em um castelo com ponte
levadiça e, de quando em quando, atirar uma pedra por sobre o muro”. Ela
não deve fundar-se numa mentalidade de fortaleza, do tipo: “Você não
pode me atingir aqui”; e também não deve ser meramente acadêmica. Tal
postura reduz o evangelho a um arcabouço teórico e frio, sem ligação com
a vida e os anseios das pessoas. Ao contrário, a apologética cristã,
conforme Schaeffer, deve ser entendida e praticada de maneira coerente
com os sobressaltos e o contato vivo com a geração presente. Assim “o
cristão não deve preocupar-se em somente apresentar um sistema
perfeitamente harmônico consigo mesmo, como algum sistema metafísico
grego, mas antes alguma coisa que tem contato constante com a realidade –
a realidade das questões que estão sendo feitas em sua própria geração,
bem como nas gerações vindouras”[2].
Ponto de vista semelhante pode ser visto no livro “Apologética Cristã no Século XXI”,
no qual Alister McGrath sustenta que embora a apologética tradicional
tenha deixado um grande legado no cristianismo, com um histórico
honrado, hoje ela parece muitas vezes “radicada em um mundo morimbundo,
um mundo em que as reivindicações de verdade do cristianismo eram
testadas sobretudo nas salas de seminários das velhas universidades,
onde a racionalidade era vista como critério máximo de justificação”[3].
McGrath afirma que hoje a situação mudou, inclusive o foco das
discussões, porque elas não ocorrem no âmbito das universidades e dos
livros-textos, mas no mercado das ideias, onde então o cristianismo deve
pelejar, no estúdio da televisão, na imprensa nacional, na lanchonete
das universidades e nos shopping centers, “os novos palcos de debates
nos quais as declarações de verdade por parte do cristianismo são
julgadas e testadas”. Igualmente, McGrath critica a apologética
pressuposicionalista por causa de sua falta de pontos de contato com os
descrentes e ineficiência em proporcionar diálogo com o mundo.
Dentro desse cenário McGrath propõe a revitalização criativa e eficaz da
apologética para o fim de remodelar a defesa da fé adaptando-a às novas
necessidades e oportunidades do mundo atual, daí o subtítulo do seu
livro: ciência e arte com integridade.
Em outras palavras o que McGrath sugere é a revisão da apologética
tradicional com o propósito de incorporar os contornos da visão
abrangente da sociedade e do ser humano – proporcionada pela cosmovisão
cristã – para construir um sistema de defesa da fé dialógico e com
pontos de contato que interliguem o evangelho, os indivíduos e as
comunidades do mundo[5], mas sem renunciar às verdades centrais do
cristianismo. Tais pontos de contato se fundamentam nas doutrinas
bíblicas da criação e redenção e podem enfocar, segundo o autor, a
sensação de desejo não satisfeito, racionalidade e moralidade humana,
assim como a angústia existencial, a consciência de finitude e de
mortalidade e o ordenamento do mundo. Na parte prática McGrath diz que
um dos pontos importantes da defesa da fé é o apelo à cultura:
No que se refere ao apologista, ‘cultura’ designa tudo aquilo que o público gosta de ler, assistir ou ouvir, independentemente se isso pode ser considerado como ‘culto’ no sentido estrito da palavra. As palavras de uma música popular; algumas linhas de um bom romance contemporâneo muito lido; uma cena marcante de um filme famoso; alguns versos de uma música de sucesso nas rádios, tudo isso tem potencial nas mãos de um apologista sensível e inteligente.O apologista, porém, deve conhecer a cultura na qual o evangelho deve ser defendido e elogiado. É pouco provável que a mais eficiente defesa de comunicação do evangelho venha dos lábios de alguém estranho à cultura na qual o evangelho deve ser proclamado. O apologista local familiarizado com sua própria situação, está em melhor posição para identificar e investigar as pistas fornecidas por esse ambiente sociocultural. É muito fácil fazer o evangelho parecer estranho a uma cultura; o apologista deve garantir que ele seja visto como um amigo, entrelaçando-o com as ideias e valores daquela cultura sempre que possível. Antes de o evangelho poder transformar uma cultura, ele precisa primeiramente firmar raízes nela.[6]
Dificilmente o cristianismo conquistará audiência se insistir em
defender as suas doutrinas usando argumentos abstratos e eminentemente
racionais, ainda que coerentes, longe do mundo do cotidiano das pessoas.
Os argumentos teístas da existência de Deus, ontológico, cosmológico,
kalam, desígnio teórico-informativo e outros, por exemplo, soam aos
ouvidos da maioria esmagadora dos descrentes – principalmente jovens e
adolescentes – como uma resenha inútil, chata e cansativa. Embora tais
argumentos tenham a sua validade e importância no âmbito acadêmico e em
debates públicos contra os antiteístas, não possuem por outro lado
grande serventia para o diálogo do dia a dia.
O escritor estadunidense Josh McDowell, um dos mais renomados
apologistas cristãos das décadas de 80 e 90, que usava uma metodologia
tradicional (evidencialista) para a defesa da fé cristã, percebeu a
necessidade de uma nova abordagem apologética. Em Razões para Crer,
depois de apresentar dados estatísticos sobre o panorama do pensamento
da juventude da atualidade, ele escreve que “os jovens cristãos de hoje
precisam mais do que uma postura estritamente modernista, que apele para
o intelecto. Precisam muito mais do que o ponto de vista pós-moderno,
que rejeita a verdade e exalta a experiência pessoal”[7]; eles precisam
de algo que dê sentido relacional para a vida. Portanto, escreve
McDowell, nosso papel é “apresentar a fé cristã para os jovens cristãos
de modo a demonstrar que crer é um exercício inteligente de saber o que é
objetivamente verdadeiro e experimentá-lo de modo relacional. Quando
assim fizermos, os jovens cristãos começarão a desenvolver o tipo de
convicção profunda que os tornará fortes, mesmo em face dos desafios de
hoje”.
Em virtude disso é que estou convencido que a compreensão do
cristianismo como uma cosmovisão nos prepara para o desenvolvimento de
uma apologética mais dinâmica e atual, a fim de defendermos com mais
consistência a fé cristã. Isso porque, a partir da ideia da cosmovisão
podemos enxergar com mais amplitude os aspectos culturais, éticos,
antropológicos e legais do tempo em que vivemos, filtrando todas as
coisas pelas lentes das Escrituras, o que possibilita apresentar as
respostas oferecidas pelo cristianismo em harmonia com os sobressaltos
da vida e a par dos dilemas das pessoas. A união da apologética
tradicional com a perspectiva da cosmovisão cristã forma aquilo que
chamo deApologética Responsiva,
isto é, que reage e responde de forma adequada aos questionamentos do
tempo presente, evidenciando, além da racionalidade da fé cristã, as
suas contribuições para a sociedade, a coerência de suas doutrinas
fundamentais e o sentido que proporciona à vida humana.
A compreensão do cristianismo como uma visão de mundo abrangente
possibilita à apologética interagir com as pessoas e responder às
questões sociais postas em discussão, seja sobre casamento homossexual,
liberação das drogas, liberdade de expressão, maioridade penal, questões
indígenas, moralidade na esfera pública, relacionamento entre estado e
igreja etc.
Essa mudança de foco é necessária porque as demandas da atualidade,
dentro de um contexto pós-moderno e pragmático, que supervaloriza os
resultados, vão além daquelas objeções ao pensamento cristão de poucas
décadas atrás, a exigir do apologista cristão sensibilidade para
entender seus oponentes e conhecimento que vá além da teologia
sistemática.
Caminhemos, pois, em direção a uma apologética responsiva!
NOTAS
[1] GRANT, Peter, em: ZACHARIAS, Ravi, GEISLER, Norman: Sua Igreja está preparada? Rio de Janeiro: CPAD, 2007, p. 56.
[2] SCHAEFFER, Francis. O Deus que intervém, tradução de Gabriele Greggersen. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 213.
[3] MCGRATH, Alister. Apologética crista no século XXI: ciência e arte com integridade; tradução Emirson Justino e Antivan Guimarães. São Paulo: Editora Vida, 2008, 10.
[5] MCGRATH, Alister, p. 19.
[6] MCGRATH, Alister, p. 349, 350.
[7] MACDOWELL, Josh em: Razões para crer: apresentando argumentos a favor da fé crista. Rio de Janeiro: CPAD, 2011, p. 33.
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Fonte:http://www.ubeblogs.net/2014/05/em-direcao-uma-apologetica-responsiva.html
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